sábado, 13 de setembro de 2008

Se alguém parecia sem poder algum, era aquele homem.

Um poder! Se alguém parecia sem poder algum, era aquele homem. Impossível imaginar-se um supliciado de aspecto mais miserável. Os outros dois não causavam impressão tão lamentável nem pareciam sofrer tanto; notava-se-lhes maior reserva de energias. O do meio, nem tinha forças para erguer a cabeça, que lhe caía sobre o peito.

Mas eis que a ergueu um pouco; o peito magro e sem pelos arfava, e ele passou, arquejante, a lingua nos lábios ressequidos. Gemeu alguma coisa, querendo dizer que tinha sede. Aborrecidos com aquele condenado que custava tanto a morrer, os soldados, reunidos um pouco mais adiante, no alto da encosta, jogavam dados e não o ouviram. Um dos seus parentes, porém, desceu então até onde eles estavam e disse-lhes o que se passava. De má vontade, um dos soldados ergueu-se, molhou uma esponja numa vasilha de barro e estendeu-a, na ponta de uma vara, ao condenado. Este porém, sentindo o gosto da lama da água que lhe era oferecida, não a quis, o que provocou o riso do soldado velhaco; quando este voltou para junto dos seus camaradas e contou o caso, todos se puseram a rir.

Os parentes, ou o que quer que fossem as pessoas ali reunidas, ergueram, desesperados, os olhos para o infeliz crucificado, que respirava cada vez com mais dificuldade, sendo evidente que o fim estava próximo. Bom seria que estivesse, que aquela tortura acabasse. O mesmo pensava ele, cá em baixo, contemplando a cena. Que os sofrimentos do outro terminassem logo! Assim que tudo estivesse acabado, apressar-se-ia em sair dali e nunca mais pensaria naquilo...

Súbitamente, porém, densas sombras envolvendo toda a colina se condensaram, como que o sol tivesse perdido o brilho. A escuridão tornou-se quase completa. Ouviu-se, nas trevas, o crucificado gritar em voz alta:
- Pai, Pai, porque me abandonaste?

As palavras ecoaram lugubremente. O que ele quereria dizer com isso? E porque escurecia assim? Estava-se em pleno dia... Era incompreensivel.

A visão das três cruzes, aparecendo como vagas silhuetas lá no alto, dava calafrios. Certamente algo de terrível estava para acontecer. Os soldados ergueram-se de um salto e empunharam as lanças; quando qualquer acontecimento imprevisto sucedia, este era o primeiro impulso deles. Ficaram em torna da cruz, brandindo as lanças, e foi capaz de ouvir os murmurios que trocavam, apavorados. Estavam com medo! Já não escarneciam! Eram supertisciosos, naturalmente.

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