domingo, 25 de janeiro de 2009

Tudo não passava de meras fantasias!

Barrabás chegou ao ponto de fingir que desejava tornar-se um deles, se apenas pudesse compreender bem a sua fé. Responderam que teriam grande prazer em vê-lo no meio deles, e que de boa vontade tentariam explicar-lhe, como melhor pudessem, a doutrina do Mestre, mas na realidade não aparentavam estar muito satisfeitos com essa perspectiva, o que era bem estranho. Censuravam-se por não sentirem verdadeira alegria perante essas tentativas de aproximação, perante a possibilidade de angariarem um novo adepto, o que habitualmente lhes causava tanto prazer. Qual seria o motivo? Barrabás, no entanto, compreendeu-o. Levantou-se bruscamente e saiu com passos rápidos, tingindo-se-lhe de cor sanguínea a cicatriz.
Crer! Como poderia crer no homem que viu pregado numa cruz? No corpo, já morto desde tanto tempo e que não despertou para uma nova vida, como ele mesmo verificou? Aquilo era pura imaginação! Tudo não passava de meras fantasias que aquela gente metia na cabeça! Ninguém despertava da morte, nem mesmo o adorado "Mestre"! Além disso, ele, Barrabás, não era responsável pela escolha que tinha sido feita! Isso era lá com eles! Podiam ter escolhido qualquer um e a sorte decidira: o escolhido foi ele. Filho de Deus! Ora, aquele não era filho de Deus nem nada! Se o fosse, não teria sido crucificado, a menos que ele assim o quisesse! Era estranho e horrível que ele quisesse sofrer. Fosse ele realmente filho de Deus, e nada lhe teria sido mais fácil do que escapar ao suplício. Mas ele não queria escapar. Queria morrer e sofrer da forma mais atroz, não pretendia livrar-se, e assim aconteceu, conseguira o que queria, não foi libertado. Deixou Barrabás ficar livre em seu lugar. Dera a ordem: "Libertai Barrabás e crucificai-me a mim."
Não era, pois o filho de Deus; claro que não...
Usou o seu poder da forma mais singular possível. Empregou-o, por assim dizer, no sentido de não se prevalecer dele, deixando os outros resolver como queriam; absteve-se de intervir, fazendo assim triunfar a sua vontade, que era ser crucificado em lugar de Barrabás.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Todos o evitavam...



Sabiam muito bem que Barrabás não partilhava a crença deles e por isso estavam sempre prevenidos contra ele. Alguns mesmo, demonstravam abertamente a sua desconfiança e todos davam a entender que não nutriam grande simpatia por ele. Barrabás estava habituado a atitudes dessas, mas, coisa curiosa, daquela vez sentiu-se magoado, o que nunca tinha acontecido anteriormente. Todos o evitavam e preferiam não ter que falar com ele. Talvez fosse o seu aspecto, o golpe de faca na cara, de origem desconhecida, meio oculto pela barba, ou os seus olhos, tão profundos que ninguém conseguia vê-los perfeitamente. Talvez fosse isso que fizesse com que as pessoas o evitassem e fugissem dele quando se aproximava. Barrabás sabia-o muito bem, mas, que lhe importava a opinião dos outros? O que os outros pudessem pensar dele sempre lhe foi indiferente.
Nunca tivera a sensação de sofrer com o desprezo que lhe votavam.
Aqueles adeptos do rabi, porém, estavam estreitamente ligados entre si pelo laço comum, e todos se precatavam para impedir que penetrasse no seio da confraria alguém que nada tinha que ver com ela. Realizavam as suas reuniões e seus ágapes de confraternização, onde repartiam o pão e o vinho entre si, como numa grande família. Provávelmente, isso fazia parte da doutrina, do seu "amai-vos uns aos outros". O que não se podia saber era se também amavam alguém que não fosse como eles.
De forma alguma Barrabás quereria tomar parte num daqueles ágapes; só a ideia de ligar-se dessa maneira a outros o repugnava. Queria ser sempre livre e independente, nada mais.
Todavia, não deixava de pensar neles e de os procurar.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Que gente esquisita, aquela!

Não, ele já não era o mesmo depois de tudo aquilo que lhe acontecera, depois de ter estado muito próximo de ser crucificado. Era-lhe aparentemente difícil acostumar-se à ideia de não o ter sido, dizia ela consigo, o que lhe pareceu tão absurdo, que, ali mesmo, deitada com as mãos sobre o enorme ventre, à hora da pior canícula, riu-se às gargalhadas.
Barrabás não deixava de encontrar muitas vezes adeptos do rabi crucificado. Não se podia dizer que os procurasse de propósito, mas eles andavam por toda a parte, nas ruas e praças, e, quando por acaso os encontrava, detinha-se de boa vontade para uma conversa rápida e perguntava acerca do Mestre e da estranha doutrina da qual sabia tão pouco. Amai-vos uns aos outros... Evitava a praça do Templo e as ruas bonitas dos arredores, percorrendo sempre os becos da cidade baixa, onde os artesãos trabalhavam nas suas oficinas e os vendilhões apregoavam mercadorias. Havia muitos crentes entre entre essa gente simples, e Barrabás não os achava tão desagradáveis como os que encontrara na galeria. Conheceu grande parte das suas estranhas concepções, mas não era fácil penetrar na vida íntima deles e compreende-los plenamente, talves porque se exprimiam de uma forma tão ingénua. Acreditavam firmemente que o seu Mestre ressuscitou e não tardaria a vir, à frente das suas legiões celestes, e instalar o seu reino. Todos diziam a mesma coisa, isso deve ter-lhes sido ensinado. Mas nem todos estavam igulamente convencidos de que ele era o filho de Deus. Alguns achavam mesmo pouco provável que ele o pudesse ser, pois tinham-no visto e ouvido, inclusive tinham falado com ele. Um deles tinha-lhe costurado um par de sandálias, tirou-lhe as medidas e tudo o mais. Estes não conseguiam imaginar que ele fosse filho de Deus. Muitos, porém, afirmavam que ele o era e que iria sentar-se nas nuvens, no trono do céu, ao lado de seu pai. Mas antes seria preciso que este mundo imperfeito e cheio de pecados desaparecesse.
Que gente esquisita, aquela!

domingo, 4 de janeiro de 2009

Porque é que permanecia em Jerusalém...

Frequentemente, Barrabás perguntava a si mesmo porque permanecia em Jerusalém, onde nada tinha que fazer. Perambulava pela cidade, sem nenhum propósito, sem tomar qualquer resolução. Sabia muito bem que lá em cima, nas montanhas, os camaradas deveriam estar bastante admirados da sua demora. Porque tardava ir, porque se detinha ali? Nem mesmo ele sabia a resposta.
A mulher gorda acreditava a príncipio que era por sua causa, mas depressa verificou o engano. Ficou até um pouco magoada mas, meu Deus, os homens são sempre ingratos quando obtêm com facilidade tudo o que desejam. Em todo o caso, ela tinha-o a seu lado e era tão bom ter um rapagão daqueles, ter alguém a quem se gosta afagar! E com Barrabás ao menos havia uma certeza: não se importava com ela, mas também não andava atrás de nenhuma outra. Não se afeiçoava a ninguém. Nunca se apegara a quem quer que fosse. De um modo ou de outro, a sua indiferença magoava-a, pelo menos nos momentos em que se entregavam juntos ao amor. Às vezes ela sentia-se triste e choramingava baixinho quando estava só. Isso, porém, não era de todo desagradável; o pranto tinha o seu lado bom. Ela possuía grande experiência no amor, e não o desdenhava em qualquer das suas diferentes formas.
O que ela não podia compreender era porque é que Barrabás se demorava tanto em Jerusalém. O que faria durante todo o dia? Não era preguiçoso como esses vagabundos que se viam por toda a parte; habituara-se à vida movimentada e perigosa. Não era muito do seu feitio andar a vadiar pelas ruas, sem fazer nada.