Ele sentiu-se comovido ao ouvir estas palavras. Contra a sua vontade sentiu alguma coisa, mas não conseguia definir o que era. Ficou parado algum tempo, indeciso, sem saber o que dizer nem o que fazer. Depois aproximou-se do sepulcro, como tencionara, e certificou-se que estava vazio. Mas isso, afinal, já sabia de antemão, e, além do mais, era-lhe indiferente. Que lhe importava que estivesse vazio ou não? Voltou em seguida para junto da mulher, que estava no mesmo lugar. O seu rosto estava tão transfigurado e irradiava tal bem-aventurança, que ele experimentou um sentimento de sincera pena. Na realidade, o que a tornava assim feliz não era verdade, não existia. Poderia ter-lhe explicado o que havia exactamente naquela ressureição, mas... não a tinha magoado já o suficiente? Não conseguiu decidir-se a dizer-lhe a verdade. Perguntou-lhe cautelosamente como ela achava que as coisas se tinham passado, de que maneira o morto havia ressuscitado.
Ela encarou-o espantada. Então ele não sabia? Em seguida, radiante, pôs-se a contar detalhadamente, com a sua voz anasalada, como um anjo se precipitara dos céus, o braço estendido que nem ponta de lança e o manto ondulando tal qual enorme chama. A ponta da lança e o manto ondulado penetrara entre a laje e a rocha, separando-as. Parecia a coisa mais simples do mundo, e de facto era-o, embora fosse um milagre. Eis o que se passara. Ele não tinha visto?
Barrabás baixou os olhos e repondeu que não. No íntimo, estava muito satisfeito por nada ter visto. Era prova de que os seus olhos agora estavam normais como os de toda a gente, que ele já não sofria mais alucinações, vendo apenas aquilo que realmente existia. Aquele homem não exercia mais poder sobre ele. Não vira a ressureição nem nada. A mulher, no entanto, continuava ali, com os olhos brilhantes, rememorando o que presenciara. Finalmente ela pôs-se de pé para se ir embora e andaram juntos um pedaço do caminho, em direcção à cidade. Não trocaram muitas palavras, mas ele soube que, desde o último encontro, ela começara a acreditar naquele a quem chamavam o Filho de Deus, e a quem ele, por sua vez, chamava o morto. Quando, porém, lhe perguntou o que ensinava ele afinal, ela não quis responder; virou o rosto, evitando que os seus olhos se encontrassem com os dele. Chegaram a um ponto em que o caminho se dividia; a mulher ia tomar a direcção do vale do Guében-Hinnom, ao passo que ele pretendia continuar directamente até à porta de David. Antes de se separarem, tornou de novo a perguntar-lhe qual era a doutrina que aquele homem pregava, na qual ela acreditava, embora aquilo não fosse da sua conta. Ela deteve-se, olhou para o chão, e depois atirou um olhar esquivo a Barrabás. Disse gaguejando:
- "Amai-vos uns aos outros".
Em seguida cada um foi para o seu lado.
Mas Barrabás parou e seguiu-a com os olhos, durante longo tempo.