sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Que milagres fazia ele?


- Que milagres costumava fazer aquele pregador? - perguntou Barrabás, voltando-se para as mulheres. - E o que pregava ele, afinal?

Responderam-lhe que curava os enfermos e afugentava os maus espíritos. Dizia-se também que tinha ressuscitado os mortos, mas ninguém sabia se era mesmo verdade; com certeza não era. Quanto ao que pregava, não tinham a menor idéia. No entanto, uma das mulheres conhecia certa história que o pregador tinha contado: Um homem preparara um grande festim, de núpcias ou coisa parecida; os convidados, porém, não compareceram, e foi preciso sair pelas ruas e convidar qualquer pessoa que surgisse; o que conseguiram reunir foi uma farândola de mendigos e pobres miseráveis, famintos e quase sem roupa no corpo; então, parece, o grande senhor enfureceu-se, ou teria dito que tudo lhe era indiferente. A mulher não se lembrava bem como era a história, mas Barrabás escutava com a máxima atenção, como se lhe estivessem a contar algo de extraordinário. E quando uma delas acrescentou que o homem era daqueles que acreditavam ser o Messias, passou a mão pela barba vermelha e ficou pensativo. Parecia reflectir em alguma coisa...

- O Messias? Não, não deve ter sido... - murmurou para si mesmo.

- Claro que não, nem podia ser - disse um dos homens - Se fosse, nunca o poderiam ter crucificado; os próprios demónios teriam sido atirados por terra. Então não se sabia o que era um Messias?

- Naturalmente! Ele teria descido da cruz e morto a todos de um só golpe!

- Um Messias que se deixa crucificar! Já se ouviu falar em semelhante coisa?

Barrabás continuava a passar a larga mão pela barba, os olhos postos no chão de terra batida.

- Não, não era o Messias...

- Vamos Barrabás, beba e não fique aí a resmungar! - disse um dos companheiros, dando-lhe um empurrão.

Era singular que ousasse fazê-lo, mas fazia-o. Barrabás de facto sorveu um gole da caneca de barro, afastando-a de si meditativo. Pressurosas, as mulheres encheram-na de novo e fizeram-no beber mais um gole. O vinho forçosamente produzia algum efeito, mas ele continuou distraído.

- Agora trata de beber, e alegra-te por teres escapado e te encontrares entre os teus melhores amigos, passando bem, em vez de estares a apodrecer numa cruz. Não é melhor assim? - disse-lhe um dos companheiros dando-lhe um empurrão. - Não estás bem aqui, hein? Pensa nisso Barrabás! Salvaste a tua pele, vives. Tu vives, Barrabás!

3 comentários:

lenor disse...

Bem, hoje houve alguém que deve ter acabdo por poupar munições e a quem eu até dizia o que disseram aqui no fim do post ao Barrabás.
mairiam

Antonio Carvalho disse...

Sim, é verdade, mas há dias que de manhã, à tarde nem apetece sair à noite... ontem foi um deles. Não sendo supersticioso, diria que quase parecia uma Sexta-Feira 13!
O grito "Tu vives, Barrabás" é por vezes mais doloroso do que o seu significado encerra. Vivemos... e de que forma? Por vezes penso na vida que levo, e não levo a vida que penso... Salvar a pele, hummm...

Anónimo disse...

A vida, regra geral, é uma porra. Veja aqui: http://ladraralua.blogspot.com/2008/09/ecos-da-sonora-viii.html
mairiam