domingo, 14 de setembro de 2008

Ele mesmo teve medo.




Ele mesmo teve medo. Ficou contente quando começou a clarear e as coisas aos poucos foram tomando o aspecto normal. A claridade veio lentamente, como de manhã, quando o dia começa a expontar; espalhou-se sobre a colina e pelas oliveiras dos arredores. Os pássaros, que tinham emudecido, puseram-se de novo a chilrear. Era exactamente como a alvorada de um novo dia.

Os parentes, lá no alto, permaneciam em silêncio. Não se ouviam mais lamentos nem prantos. Todos contemplavam o homem na cruz, até mesmo os soldados. Pairava sobre a terra uma grande paz.

Agora ele podia ir-se embora, se quisesse. Tudo estava acabado. O sol brilhava de novo e as coisas estavam como de costume. As trevas duraram apenas um momento, enquanto o homem morria.

Sim, agora tinha de ir. Era preciso ir-se embora, claro. Nada mais o prendia ali. Não tinha motivo algum para ficar, pois o outro estava morto. Antes de pôr-se a caminho, ainda pode ver que o desciam da cruz. Viu então que dois homens o amortalhavam num pano de linho. O corpo era completamente branco, e os homens trabalhavam com excesso de cuidado, como se temessem magoá-lo, causar-lhe o minimo mal. Essa atitude era bem estranha, pois o homem tinha sofrido o suplicio da cruz, e tudo o mais. Aquela gente era mesmo estranha. A mãe, porém, contemplava com olhos sem lágrimas aquele que tinha sido o seu filho; rosto trigueiro parecia incapaz de exprimir pesar, revelando apenas que ela nunca poderia entender o que se passara. A mãe, sim, Barrabás compreendia melhor.

Quando o pequeno grupo passou perto dele, os homens carregando o cadaver amortalhado, as mulheres seguindo o triste cortejo, uma delas, apontando Barrabás, disse baixinho qualquer coisa à mãe. Esta parou e lançou-lhe um olhar tão cheio de desespero que ele nunca mais o poderia esquecer...

Continuaram a descer o Golgota, tomando depois outro caminho à esquerda. Mantendo distância suficiente, ele seguiu-os até um jardim das vizinhanças, onde colocaram o cadáver numa sepultura cavada na rocha. Após terem orado em frente ao sepulcro, fecharam-no com uma grande pedra e partiram.

Barrabás, por sua vez, aproximou-se e ficou ali parado por algum tempo. Não orou, pois era um malfeitor e sua prece não seria ouvida, sobretudo por não ter expiado a sua culpa. Além disso não conhecia o morto. Todavia, deteve-se um pouco em frente à sepultura. E depois, tomou o caminho de Jerusalém.

2 comentários:

Anónimo disse...

Espero que este suspense todo não seja para depois se chegar à conclusão que Barrabás era "Ninguém". Hum.
mairiam

Antonio Carvalho disse...

Barrabás foi uma personagem real, num tempo histórico. Há quem sustente a versão de que Barrabás não era ninguém mas pura e simplesmente o mesmo nome do Cristo, já que Barrabás no original Aramaico era «Barabbas» e alguns dizem que a expressão deriva de "Yeishur bar-Abba" cujo significado nós já sabemos como "Jesus,o filho de Deus" já que Abba significa Pai. Mas a "minha" história de Barrabás não tem e não pretende ter qualquer conotação biblica ou religiosa - é simplesmente o meu olhar sobre os Barrabases que têm o seu roteiro traçado no quadro de uma humanidade onde o mal encontra sempre terreno fértil e propício. O essencial no drama de Barrabás será antes "pôr" o problema do que solucioná-lo!
Obrigado pelo acompanhamento da história.