segunda-feira, 22 de junho de 2009

As perseguições...


Quando as perseguições começaram, o velho cego, conduzido pelo jovem que sempre arquejava, procurou um dos promotores do Sinédrio e disse-lhe:
- Lá embaixo, entre nós, na porta do Monturo, uma mulher espalha heresias a respeito de um salvador que virá transformar o mundo inteiro. Tudo o que existe perecerá, dando lugar a um mundo melhor, onde reinará sómente a sua vontade. Esta mulher não deveria ser apedrejada?
O promotor, homem consciencioso, pediu ao cego que lhe expusesse mais detalhadamente a denúncia. Primeiro, de que salvador se tratava? O ancião respondeu que era o mesmo em que acreditavam aqueles que tinham sido apedrejados, e, se houvesse justiça, a mulher também o seria. Ele próprio ouviu-a dizer que o seu Senhor ia salvar todos os homens, até mesmo os leprosos. Ele iria curá-los e ficarão tão sadios quanto os outros. Mas o que aconteceria se os leprosos não tivessem mais nada que os distinguisse? Se andassem por toda a parte, sem a obrigação de usar sinetas, de maneira que não fosse possível, pelo menos aos cegos, saber onde estavam? Poderia alguém propagar impunemente tais heresias?
O magistrado afagou a barba, o que o cego, a poucos passos, podia ouvir, e depois perguntou se havia alguém capaz de acreditar naquilo que a mulher estava a anunciar. O velho respondeu que sim: entre o rebotalho humano que vivia na Porta do Monturo nunca faltava quem desse ouvidos a tais novidades. E os leprosos do fundo do vale eram, naturalmente, os que mais gostavam de ouvi-las. Além disso, a mulher fazia causa comum com aquela gente. Dizia-se que ela atravessava muitas vezes a barreira, dando-se com eles da maneira mais desavergonhada. Talvez até mantivesse relações com aqueles homens impuros; não se podia saber ao certo.
- Eu, pelo menos, não o posso saber. Em todo o caso, ela não é virgem. Dizem que teve um filho e o matou. Eu nada sei, só ouço o que se conta por aí. Meus ouvidos são perfeitos, só os meus olhos são vazios. E isto é uma grande desgraça, meu senhor. É uma desgraça ser cego, como eu.

quarta-feira, 10 de junho de 2009


Viu, numa das manchas de claridade, a mulher de lábio leporino com as mãos comprimidas contra o peito chato e o rosto pálido voltado para a luz que a envolvia. Não a via desde aquela manhã em que se tinham encontrado na frente do sepulcro; ela estava ainda mais magra e o seu mísero aspecto revelava que vivia faminta; estava vestida com andrajos e tinha as faces escaveiradas. Todos os que estavam ali reunidos olhavam para ela, conjecturando quem poderia ser aquela mulher que ninguém conhecia. Notava-se que a achavam esquisita, embora não soubessem porquê; não era só por estar maltrapilha, mas também porque todos esperavam, curiosos, pelo seu testemunho.
Porque iria ela testemunhar? De que serviria? pensava consigo Barrabás. Ela deveria compreender que ali não era o seu lugar. Embora aquilo nada fosse com ele, estava agitado. Porque se metia ela naquilo?
Tinha-se a impressão que também para ela não era lá nenhum prazer falar; fechava os olhos como se não quisesse ver as pessoas que a rodeavam e tivesse pressa em terminar. Então, porque o fazia? Certamente não tinha necessidade alguma de falar ali.
Começou a dar o seu testemunho. Com a vaz nasalada falou da fé no Senhor e Salvador, mas as suas palavras não poderiam comover ninguém, como deviam. Pelo contrário, ela era ainda mais ridícula e gaguejava mais do que de costume, naturalmente por se encontrar entre tanta gente, o que a punha nervosa. Ainda por cima, todos mostravam claramente seu desagrado, não procuravam ocultar que lhes era penoso ouvi-la; alguns viravam mesmo rosto, envergonhados. Ela terminou balbuciando qualquer coisa como: "Senhor, dei testemunho de ti, como me mandaste fazer." Depois baixou-se no chão da terra, na ânsia de ser vista o menos possível.
Todos se entreolharam, constrangidos; era como ela tivesse ridicularizado aquilo que os reunia ali. E talvez tivessem razão, talvez ela de facto o tivesse feito! Pareciam agora querer dar por finda a reunião o mais depressa possível. Um dos que a presidiam - era também um dos que tinham gritado: "Fora daqui, maldito!" - pôs-se de pé para anunciar que deviam separar-se. Acrescentou que todos sabiam o motivo de se realizar a reunião naquele lugar e não na cidade, que a próxima reunião seria noutra parte; onde, não se sabia ainda. O Senhor certamente lhes escolheria um refúgio onde estariam ao abrigo da maldade dos homens; ele era o pastor, não abandonaria o seu rebanho.
Barrabás não ouviu mais nada: saiu furtivamente, antes dos outros, e estava contente ao ver-se longe dali.
Só podia sentir aversão por tudo aquilo.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Voltando-se para a direcção de onde vinha a voz, descobriu que era o galileu de barba vermelha que ali estava, iluminado por uma réstia de luz. Exprimia-se num tom mais calmo, não excitado como os outros, e com o sotaque do seu país, que soava um pouco ingénuo ao povo de Jerusalém. No entanto, despertava mais atenção do que os outros; todos pareciam suspensos aos seus lábios, embora as suas palavras nada tivessem de extraordinário. Começou por falar durante algum tempo do seu querido mestre, depois, sempre referindo-se a ele do mesmo modo, Mestre, recordou as suas predições segundo as quais os que nele acreditavam iam sofrer perseguições por sua causa. Se assim fosse, deveriam suportá-lo o melhor que podiam, e pensar no que o próprio mestre tinha sofrido. Sem dúvida, diferentes do mestre, não eram senão pobres seres humanos, fracos e humildes, mas deviam suportar as mais duras provas sem desertar, sem renegá-lo. Era tudo o que deviam fazer. O galileu parecia estar a dizer aquilo tanto para si mesmo como para os outros. Quando ele terminou, tinha-se a impressão que a assembleia estava um pouco desapontada. Notando, talvez, que desapontara os ouvintes, anunciou que ia recitar uma oração que o mestre lhe ensinou. Quando o fez, todos pareceram mais satisfeitos, alguns, com certeza, estavam sinceramente comovidos. Em todo o recinto reinava uma espécie de êxtase comum. Quando terminou a oração, os que estavam perto dele rodearam-no como se o quisessem "felicitar", e Barrabás viu que o orador estava cercado pelos homens que tinham gritado: "Retira-te maldito!"
Do seu canto, Barrabás, vigilante, observava-os e via tudo com os seus olhos encolhidos no fundo das órbitas.
Súbitamente estremeceu...

sábado, 18 de abril de 2009

Dar testemunho do redentor ressuscitado...


Barrabás andou algumas vezes pela cidade enquanto morava na casa da mulher gorda. Duramte um desses passeios, aconteceu-lhe o seguinte:

Entrou numa casa que era uma espécie de adega, tecto baixo, com algumas trapeiras pelas quais penetrava alguma claridade, e saturada do cheiro acre de peles de animais e de ácidos. Devia ser um curtume, embora não estivesse localizado na Rua dos Curtidores, mas ao pé da montanha do Templo, na direcção do vale de Cédron. Era, provávelmente, um dos curtumes onde se preparava a pele dos animais sacrificados no Templo. Não devia ser muito usado; os reservatórios e tanques conservavam ainda o mau cheiro. O chão, por toda a parte onde se pisava, estava coberto de cascas de carvalho, detritos e sujidade de toda a espécie.
Barrabás entrou furtivamente sem ser visto e encolheu-se a um canto, perto da entrada. Ali ficou, de cócoras, correndo os olhos por todo o recinto repleto de gente que orava. Não conseguia ver todos, só destinguia aqueles que estavam na claridade proveniente das trapeiras. Mas também na penumbra deveriam estar a orar, pois de todos os lados partia o mesmo murmúrio. De vez em quando, o clamor de muitas vozes, vindo de uma determinada direcção, elevava-se, tornando-se cada vez mais alto, para depois ir diminuindo e acabar por se confundir com o burburinho geral. Ás vezes, todos os que se encontravam no recinto punham-se a orar em voz mais alta, com ardor crescente; e alguém entre a multidão erguia-se para, em êxtase, dar o seu testemunho do Redentor ressuscitado. Os outros então emudeciam e voltavam-se todos para aquele que falava, como se quisessem receber a sua força. Quando o orador terminava, começavam de novo a orar com redobrado ânimo. Na maioria das vezes, Barrabás não conseguia ver o rosto daquele que se levantava para testemunhar, mas quando um, bem perto dele, se ergueu, observou que esse mesmo estava completamente molhado de suor. Ficou a olhar para o homem, que se encontrava em estado de exaltação, e notou o suor a escorrer-lhe nas faces magras. Era um homem de meia idade. Depois de ter dado o seu testemunho, prostou-se no chão, de terra batida, tocando-o com a fronte, como toda a gente faz quando reza. Parecia ter-se lembrado de repente que também existia um Deus, não apenas aquele homem crucificado no qual falou durante o tempo todo.
Quando o homem terminou, veio de longe uma voz que Barrabás julgou reconhecer...

domingo, 12 de abril de 2009

Assim matutava a mulher gorda...


Ela gostaria de saber se o próprio Barrabás estava a par do que lhe aconteceu, se sabia que tinha dentro de si o espírito do outro, que morreu, mas que o espírito do crucificado vivia agora dentro dele. Ele sabia?
Talvez nem sequer suspeitasse. Mas era fácil constactar que ele sofria de uma má influência. O que, afinal, não era de admirar, pois tratava-se de um espírito estranho, que só lhe queria fazer mal.
Sentiu pena dele, sinceramente; afligia-a vê-lo assim, a tal ponto que o seu estado lhe inspirava compaixão. Ele, por sua vez, nem parecia notá-la, não sentia nem ao menos o desejo de vê-la. Não lhe tinha a mínima afeição, e não era, pois, de admirar que nem olhasse para ela. O pior era que nem à noite manifestava vontade de possuí-la, o que provava ainda mais a sua completa indiferença. Ela é que era bastante imbecil para continuar ao lado daquele sujeito infame e deplorável. Passava as noites a chorar em silêncio, mas aquele pranto oculto não lhe trazia consôlo algum. Coisa estranha... ela nunca teria acreditado que tal coisa lhe pudesse vir a acontecer.
Como poderia ela fazê-lo voltar? Como expulsar dele o crucificado e fazer com que Barrabás voltasse a ser Barrabás? Não tinha a menor idéia de como se esconjuram espíritos. Não entendia absolutamente nada a esse respeito, e podia imaginar que se tratava de um espírito forte e perigoso; quase o temia, embora ela não fosse de natureza tímida. Pelos modos de Barrabás, via-se quanto o espírito era poderoso, como se apoderava de um indivíduo robusto e forte que pouco tempo antes só vivia a própria vida. Era inconcebível. Dava mesmo para ficar com medo. Certamente o espírito dispunha de uma força especial, por ter pertencido a um crucificado.
Medo própriamente ela não tinha. Mas não queria saber nada acerca de crucificados. Isso de condenados à morte não era com ela. Era dona de um corpo avantajado, bem crescido. Quem lhe convinha era Barrabás, mas Barrabás tal como era quando ainda era ele mesmo. Antes de lhe dar na veneta que era ele que devia ter morrido na cruz. O que ela aprovava, o que mais apreciava nele era justamente o facto de não ter sido crucificado, era o ter-se safado tão bem!
Assim matutava a mulher gorda na sua grande solidão. Mas acabava sempre por dizer a si mesma que, afinal, nada sabia a respeito de Barrabás. Não sabia o que se passava com ele, nem se estava ou não possuído pelo espírito do crucificado. O que era certo agora é que não se importava mais com ela, e que ela era suficientemente estúpida para lhe querer bem. Ao pensar nisso, chorava e sentia-se terrívelmente desgraçada.

sábado, 4 de abril de 2009

E, sem dúvida, era isso mesmo, foi assim que as coisas se passaram, sem tirar nem pôr.
Imaginem, alguém lamentar-se por não ter sido crucificado! Só podia ser estúpido! Não conseguiu evitar o riso, de rir às gargalhadas do seu bom Barrabás. Ele parecia completamente desorientado. Mas isso explicava naturalmente tudo.
Agora, porém, bastava; a brincadeira já estava a passar da conta, era preciso colocar um ponto final àquilo. O homem precisava de apanhar juízo. Ela ia falar com ele. Que estupidez era aquela?
Entretanto, ela nada lhe disse. Ficou tudo nas boas intenções. Fosse lá como fosse, não se podia falar com Barrabás acerca dos seus próprios assuntos. Pensava-se em fazê-lo, mas ficava tudo por ali mesmo.
Continuou tudo com antes. ela sempre admirada das suas esquisitices, sem saber no que aquilo ia dar. Estaria ele doente? Realmente doente? Emagreceu muito e, no seu rosto pálido e escaveirado, o que apresentava um pouco de cor era únicamente a cicatriz, lembrança do golpe de faca que o tal Eliahu lhe aplicou. O seu aspecto era horrível, bem diferente do costume. Não era mais o mesmo, mudou em práticamente tudo. Arrastar a vida assim, vazia e oca, ficar por aí deitado, com os olhos no tecto! Um homem como Barrabás!
E... se não fosse ele? Se estivesse transformado em outra pessoa, num outro, como se estivesse possuído por alguém, pelo espírito do outro... Um espírito tinha entrado nele! Não era mais o mesmo que conhecia antes! Era exactamente esta a impressão que se tinha. O espírito do outro... Do que tinha sido realmente crucificado! Aquele, certamente, nada queria de bem... Ora, se o tal "salvador", ao entregar o espírito, o insuflara em Barrabás, para não morrer e para se vingar da injustiça de que fora vítima, vingar-se do homem que foi posto em liberdade... Era fácil de imaginar, era até muito possível. Pensando melhor no caso, podia dizer-se que Barrabás tinha estado assim estranho desde então; lembrava-se agora perfeitamente da sua insólita conduta ao chegar a sua casa logo depois de ser libertado. Era isso mesmo, isso explicava tudo. Um pouco difícil de compreender era como é que o rabi lhe insuflou o seu espírito, pois ele exalara o último suspiro no Golgotá, local onde Barrabás não podia ter estado. Mas diziam que o rabi era poderoso; certamente que podia transportar-se, invisível, para onde quisesse. Certamente que tinha poder suficiente para dispôr as coisas à vontade.

domingo, 22 de março de 2009

Lamentar-se por não ter morrido na vez do outro!


Barrabás tornou-se arredio, encerrou-se em si mesmo, não falava com pessoa alguma. Nunca mais saíu, passava dias e dias na casa da mulher gorda, deitado atrás da cortina de pano ou, quando havia algazarra demais na casa, refugiado na cabana de palmas em cima do telhado. Ali ficava durante dias inteiros, sem fazer nada nem tomar qualquer resolução. Ter-se-ia esquecido até de comer se não lhe tivessem posto comida na frente dele e insistido. Tornara-se completamente indiferente a tudo.
A mulher gorda ignorava o que havia com ele, não compreendia mais nada, nem se atrevia a perguntar. O melhor seria deixá-lo em paz; era provávelmente o que ele desejava. Mal respondia quando lhe dirigiam a palavra. Se se espreitasse cautelosamente por detrás da cortina, poder-se-ia vê-lo deitado, com os olhos postos no tecto. Ela não sabia mais que pensar. Estaria ele a ficar louco? Estaria a perder a razão? Ela não o sabia, para falar a verdade.
Acabou, porém, por descobrir o que havia. Soube por acaso das suas relações com esses doidos que acreditavam no homem crucificado em lugar de Barrabás. Então era isso! Estava desvendado o mistério! Esta era a razão porque andava tão arredio; não podia ser outra coisa. A culpa era daqueles malucos, que naturalmente lhe tinham metido na cabeça aquelas loucuras. Qualquer um acabaria mesmo com a cabeça virada na companhia de tais farsantes.
Eles estavam convencidos que o crucificado era uma espécie de salvador ou coisa parecida, que de um modo ou de outro os devia ajudar e dar-lhes tudo o que pediam. Ainda por cima acreditavam que ele seria o rei de Jerusalém e ia escorraçar os diabos imberbes. Ela não sabia ao certo qual a doutrina que pregavam, nem queria saber, mas o que ninguém duvidava era que não regulavam bem, não andavam muito certos da cabeça. Como, em nome do Senhor Deus, podia Barrabás meter-se com aquela gente? Como podia dar-se bem com eles? Mas sim! Ele mesmo era para ser crucificado e só escapou porque o tal salvador o tinha sido em seu lugar, o que naturalmente era horrível. Provávelmente, teve que lhes explicar que a culpa não era sua, e assim por diante. Teriam então discutido o caso, a conversa derrapou no tal sujeito em que acreditavam; que era um homem extraordinário, que era o que havia de mais puro e inocente, e mais isto e mais aquilo. Era uma personagem importante e foi um crime horrendo tratar assim tão grande rei e senhor! Tinham-lhe metido todas essas fantasias na cabeça, até ele virar doido e lamentar não ter sido crucificado, até ele se arrepender de não ter morrido em vez do outro!

domingo, 15 de março de 2009

Barrabás, o libertado! Barrabás, o libertado!


No dia seguinte evitou a cidade baixa e o Beco dos Oleiros, mas um homem da olaria encontrou-o por acaso sob as arcadas de Salomão e perguntou-lhe o que tinha achado da noite anterior, se havia reconhecido a verdade daquilo que lhe tinham anunciado. Respondeu que não duvidava de que o homem em cuja casa estivera era um morto ressuscitado, mas, na sua opinião, trazê-lo de volta à vida tinha sido um erro do Mestre. O oleiro, estupefacto, empalideceu ao ouvir as palavras ofensivas ao seu Senhor. Barrabás, porém, voltou-se simplesmente e deixou-o partir.
A história não devia ser conhecida sómente no Beco dos Oleiros mas também no dos Azeiteiros, no dos Curtidores e no dos Tecelões e em muitos outros; quando Barrabás, ao fim de certo tempo, voltou a esses lugares, notou que os crentes com os quais tinha o hábito de conversar já não se comportavam como antes. Falavam pouco, olhando-o de esguelha, com ares desconfiados. Nunca existiu intimidade entre Barrabás e os crentes, mas agora estes mostravam-lhe abertamente a sua hostilidade. Um velhinho enrugado, que ele nem sequer conhecia, abordou-o, perguntando porque é que, afinal de contas, vinha sempre ter com eles, qual era a sua intenção, se é que vinha enviado pelos guardas do templo ou pelos asseclas do sumo sacerdote, ou talvez pelos Saduceus... Sem responder, Barrabás encarou o velho, cuja cabeça calva estava vermelha de cólera. Nunca o vira antes, nem sabia quem era; devia ser tintureiro de profissão, pois à guisa de brincos tinha fios de lã azuis e vermelhos nas orelhas.
Barrabás compreendeu que os tinha magoado e que a disposição para com ele mudou por completo. Por toda a parte encontrava caras fechadas e rancorosas, rijas de expressões de repúdio, e alguns fixavam-no com insistência, para lhe mostrar claramente que o queriam desmascarar, saber quem ele na verdade era. Ele porém, tantava fingir que nada percebia.
Um belo dia a notícia estourou. Espalhou-se como rastilho de pólvora por todos os lados onde moravam os crentes. De um momento para o outro, todos sabiam. Era ELE! O que tinha sido libertado em lugar do Mestre! Do salvador, do Filho de Deus! Era Barrabás! Era Barrabás, o libertado.
Olhares hostis o perseguiam, o ódio brilhava nos olhos furiosos. A agitação não serenou, nem mesmo quando ele desapareceu para nunca mais reaparecer.

Barrabás, o libertado! Barrabás, o libertado!

domingo, 8 de março de 2009


Começou a escurecer no interior da casa e o homem ergueu-se e acendeu o lampião de óleo suspenso do tecto baixo. Depois trouxe pão e sal, que pôs sobre a mesa, entre ambos; partiu o pão e estendeu um pedaço a Barrabás, embebeu o seu no sal e convidou o visitante a fazer o mesmo. Barrabás teve d aquiescer, embora sentisse que a sua mão tremia. Comeram em silêncio, sob a luz mortiça do almpião a óleo.
Não repugnava a Barrabás partilhar um ágape com este homem, menos escrupuloso e exigente que os irmãos do Beeco dos Oleiros, e que não fazia uma grande diferença entre uma coisa e a outra. Mas quando aquela mão com dedos secos e amarelos lhe estendeu o pedaço de pão, e ele teve de o comer, julgou sentir na boca um gosto a cadáver.
Que significado poderia ter o facto de comer na companhia daquele homem? Que mistério encerrava este estranho repasto?
Quando terminaram, o homem acompanhou-o até à porta, desejando-lhe que partisse em paz. Barrabás murmurou qualquer coisa vaga, afastando-se apressadamente na escuridão da noite. Desceu a montanha e dirigiu-se a passos largos para a cidade, a cabeça cheia de tumultuosos pensamentos.
A mulher gorda surpreendeu-se vivamente ante a violência com que ele a possuía nessa noite; nunca o viu antes com tanto ardor. Não conseguia descortinar o motivo da desusada paixão, mas parecia que ele tinha necessidade de se agarrar a qualquer coisa. E se alguém lhe pudesse dar aquilo pelo que ansiava, era ela. Deitada a seu lado, sonhava que ainda era nova e tinha alguém que a amava perdidamente...

domingo, 1 de março de 2009

O reino da morte


[Imagem retirada da internet - galeriaphotomaton.blogspot.com/]
O homem permaneceu calado durante algum tempo, depois perguntou-lhe se acreditava que o rabi era filho de Deus. Após alguma hesitação, Barrabás respondeu que não acreditava, pois era muito dificil mentir perante aqueles olhos vazios que pareciam não se importar absolutamente se alguém mentia ou não. O homem não se alarmou, fez apenas um sinal com a cabeça e disse:- Eu sei. Muitos não acreditam. A sua mãe, que esteve aqui ontem, também não acredita. Mas ele a mim ressuscitou-me dos mortos para que eu desse testemunho dele.
Barrabás disse que, nesse caso, percebia-se que ele acreditasse no mestre, ao qual devia estar eternamente grato pelo grande milagre realizado. O outro respondeu que sim, que lhe agradecia todos os dias o ter-lhe restituído a vida, afastando-o do reino da morte.
- O reino da morte! - exclamou Barrabás, notando que a própria voz tremia. - O reino da morte? Como é esse reino? Tu, que estiveste lá, diz-me, como é ele?
- Como é? - repetiu o outro, com olhar interrogativo.
Era evidente que não compreendia muito bem o que Barrabás queria dizer.
- Sim! Que lugar é esse pelo qual andaste?
- Não estive em parte alguma - respondeu o homem, que não parecia gostar do arrebatamento do seu visitante. - Apenas estive morto... E a morte é o nada.
- Nada?
- Nada. Que queres tu que ela seja?
Barrabás fitou-o.
- Achas que devia contar-te algo a respeito do reino da morte? Pois não posso. O reino da morte é o nada. Ele existe... Mas é o nada.
Barrabás continuava a fitar aquele rosto em ruínas, que lhe infundia pavor, mas do qual não podia tirar os olhos.
- Não... - continuou o homem, os olhos vazios fitando o espaço ao longe. - O reino da morte é o nada. E, para quem esteve lá, tudo o mais também o é. É estranho fazeres-me semelhante pergunta - continuou. - Porque a fazes? Habitualmente não me perguntam tais coisas.
Contou então que os irmãos de Jerusalém frequentemente lhe enviavam gente para ser convertida e que muitos o tinham sido. Deste modo servia o mestre e compensava em parte a sua grande dívida de gratidão, pela vida que lhe foi restituída. Quase todos os dias, o jovem oleiro ou outro confrade lhe trazia alguém, diante do qual atestava a sua ressureição. Mas não falava do reino da morte. Era a primeira vez que alguém o indagava a esse respeito.

domingo, 22 de fevereiro de 2009


O homem que procuravam morava numa pequena aldeia nos flancos da montanha. Quando o jovem oleiro, que o tinha acompanhado, afastou da entrada da casa a esteira de palha que a fechava, viu-o sentado, com os braços sobre a mesa e os olhos fitando o horizonte longínquo. Não pareceu notar a presença dos dois, até que o jovem o saudou com a sua voz sonora. Então voltou lentamente a cabeça na sua direcção e respondeu ao cumprimento numa voz estranha, sem ressonância. Quando o jovem lhe transmitiu a saudação dos irmãos do Beco dos Oleiros e lhe disse ao que vinham, ele convidou-os, com um gesto de mão, a tomar um lugar à mesa.

Barrabás sentou-se na sua frente e não pôde deixar de observar aquele rosto amarelo, duro e ósseo. A pele estava completamente ressecada. Barrabás nunca supusera que um rosto humano pudesse assumir um tal aspecto, nunca viu algo tão desolador. Lembrava um deserto.

A uma pergunta do jovem, o homem explicou que, de facto, tinha estado morto, mas que o rabi da Galiléia, seu Mestre, o restituíu à vida. Esteve 4 dias no túmulo, mas as forças do seu corpo e da sua alma eram as mesmas de antes, nada havia mudado. Tinha o Mestre, assim, revelado o seu poder e a sua glória, tinha mostrado que era o filho de Deus. O homem falava devagar, num tom monótono, olhando sempre para Barrabás, com os seus olhos pálidos e sem brilho.

Quando terminou, a conversa ainda prosseguiu durante algum tempo à volta do Mestre e das suas grandes obras. Barrabás não tomou parte no colóquio. Pouco depois, o jovem oleiro ergueu-se e deixou-os, para ir visitar os seus pais que moravam na mesma aldeia.

Barrabás não tinha vontade nenhuma de ficar a sós com o homem. Mas não podia ir-se embora assim, sem mais nem menos, e não atinou com um pretexto qualquer para o fazer. O outro fixava-o sempre com o seu estranho olhar apagado, que nada exprimia, sem demonstrar o mínimo interesse pelo visitante, mas que, assim mesmo, o atraía de maneira inexplicável. O seu único anseio era evadir-se dali, libertar-se daquela estranha atracção e fugir. Mas não o conseguia.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009


Assim pensava Barrabás ao afastar-se dos discípulos, após ter tentado tornar-se um deles. E deixou a passos largos a olaria do beco dos Oleiros, onde tão claramente lhe haviam demonstrado que não queriam tê-lo no seu meio.
Tomou a resolução de nunca mais os procurar.
Mas quando, no dia seguinte, passou por lá outra vez, perguntaram-lhe quais eram as dúvidas que tinha na fé que eles professavam, mostrando-se arrependidos por o não terem acolhido carinhosamente e por não se terem esforçado por instruir e esclarecer um homem tão ávido de conhecimentos. O que desejava ele perguntar? O que é que lhe parecia incompreensível?
Inicialmente, Barrabás queria dar de ombros e responder que não compreendia absolutamente nada e que tudo aquilo lhe era indiferente. Mas, pensando melhor, mencionou como exemplo a ideia da ressureição, que lhe era difícil conceber. Não acreditava que um morto pudesse retornar à vida.
Os oleiros ergueram os olhos e encararam-no; depois entreolharam, de modo significativo. Após terem trocado entre si algumas palavras em voz baixa, o mais idoso perguntou-lhe se queria ver um homem que o Mestre tinha ressuscitado. Teria de ser à noite, após fecharem as suas oficinas, pois o homem morava um pouco longe de Jerusalém.
Barrabás assustou-se. Por aquela não esperava. Imaginara que iriam debater a questão, expôr os seus pontos de vista, e não entrar em campo com uma prova tão esmagadora e convincente. É verdade que estava persuadido de que tudo aquilo não passava de fantasia, de piedosa fraude; o homem sem dúvida não tinha estado morto. Mas mesmo assim sentiu que o invadia um certo temor. De modo algum queria encontrar o tal homem. Mas não podia confessá-lo. Era preciso simular gratidão pela oportunidade que lhe ofereciam os discípulos de certificar-se do poder do seu Senhor e Mestre.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Como podia alguém querer sofrer?


Afirmavam os díscipulos que o Mestre morrera por eles. Podia ser. Mas na realidade foi por ele, Barrabás - ninguém o podia contestar! Estava na verdade mais próximo, mais ligado àquele homem do que eles, do que qualquer outra pessoa; o seu grau de relação com o crucificado era bem outro, mais íntimo e directo. E eles repeliam-no, não queriam nada com ele! Ele era o escolhido, podia-se dizer, escolhido para não sofrer, para escapar aos tormentos da cruz! Ele era o verdadeiro eleito, libertado na vez do filho de Deus, por este o ter desejado e ordenado! E os outros nem sequer suspeitavam disso!
Mas aquela "fraternidade", os seus "ágapes" e o seu "amai-vos uns aos outros" eram-lhe indiferentes. Ele não queria nada com eles, queria apenas ser ele mesmo. Na relação com aquele a quem chamavam o filho de Deus, com o crucificado, ele era sempre o mesmo, era Barrabás como em tudo. Não era escravo subordinado ao Mestre, como eles! Não era dos que suspiravam e imploravam a seus pés.
Como podia alguém querer sofrer? Não sendo necessário, sem ser obrigado pela força... isto era incompreensível, uma ideia assim só nos pode inspirar desgosto. Pensando desta forma, Barrabás revia na sua mente o corpo magro e deplorável do crucificado, os braços que cediam, mal suportando o peso do corpo, e a boca tão ressequida que nem sequer conseguia pedir água. Não, ele não podia simpatizar com alguém que daquela maneira procurava o sofrimento, alguém que se pregava a si mesmo na cruz. Não apreciava absolutamente tal gesto nem a pessoa que o praticara. Mas aquela gente toda adorava o crucificado e os sofrimentos dele, a sua morte vil e lamentável; dir-se-ia que, para eles, quanto mais degradante, mais miserável, melhor. Adoravam a própria morte. Era horrível, repulsivo, enchia-o de desgosto. Sentiu mesmo aversão por eles, pela sua doutrina e por aquele a quem afirmavam crer.
Não gostava, absolutamente, da morte. Abominava-a, não tinha o menor desejo de morrer. Talvez por isso não morrera, por isso foi o escolhido para ser posto em liberdade. Se o crucificado fosse realmente o filho de Deus, seria omnisciente, e já o saberia muito antes que Barrabás não queria sofrer nem morrer. Por isso o crucificado tomou o lugar dele. Barrabás teve apenas de segui-lo até ao Golgotá, para ver como é que eles o crucificavam. Nada mais foi exigido dele, e isso pareceu-lhe muito cruel, a tal ponto se lhe mostrara desagradável a morte e tudo quanto se relaciona com ela.
Sim, ele era verdadeiramente o homem pelo qual o filho de Deus tinha morrido! Foi para ele, e a mais ninguém, que se destinaram as palavras: "Libertai esse e crucificai-o a Ele!".

domingo, 25 de janeiro de 2009

Tudo não passava de meras fantasias!

Barrabás chegou ao ponto de fingir que desejava tornar-se um deles, se apenas pudesse compreender bem a sua fé. Responderam que teriam grande prazer em vê-lo no meio deles, e que de boa vontade tentariam explicar-lhe, como melhor pudessem, a doutrina do Mestre, mas na realidade não aparentavam estar muito satisfeitos com essa perspectiva, o que era bem estranho. Censuravam-se por não sentirem verdadeira alegria perante essas tentativas de aproximação, perante a possibilidade de angariarem um novo adepto, o que habitualmente lhes causava tanto prazer. Qual seria o motivo? Barrabás, no entanto, compreendeu-o. Levantou-se bruscamente e saiu com passos rápidos, tingindo-se-lhe de cor sanguínea a cicatriz.
Crer! Como poderia crer no homem que viu pregado numa cruz? No corpo, já morto desde tanto tempo e que não despertou para uma nova vida, como ele mesmo verificou? Aquilo era pura imaginação! Tudo não passava de meras fantasias que aquela gente metia na cabeça! Ninguém despertava da morte, nem mesmo o adorado "Mestre"! Além disso, ele, Barrabás, não era responsável pela escolha que tinha sido feita! Isso era lá com eles! Podiam ter escolhido qualquer um e a sorte decidira: o escolhido foi ele. Filho de Deus! Ora, aquele não era filho de Deus nem nada! Se o fosse, não teria sido crucificado, a menos que ele assim o quisesse! Era estranho e horrível que ele quisesse sofrer. Fosse ele realmente filho de Deus, e nada lhe teria sido mais fácil do que escapar ao suplício. Mas ele não queria escapar. Queria morrer e sofrer da forma mais atroz, não pretendia livrar-se, e assim aconteceu, conseguira o que queria, não foi libertado. Deixou Barrabás ficar livre em seu lugar. Dera a ordem: "Libertai Barrabás e crucificai-me a mim."
Não era, pois o filho de Deus; claro que não...
Usou o seu poder da forma mais singular possível. Empregou-o, por assim dizer, no sentido de não se prevalecer dele, deixando os outros resolver como queriam; absteve-se de intervir, fazendo assim triunfar a sua vontade, que era ser crucificado em lugar de Barrabás.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Todos o evitavam...



Sabiam muito bem que Barrabás não partilhava a crença deles e por isso estavam sempre prevenidos contra ele. Alguns mesmo, demonstravam abertamente a sua desconfiança e todos davam a entender que não nutriam grande simpatia por ele. Barrabás estava habituado a atitudes dessas, mas, coisa curiosa, daquela vez sentiu-se magoado, o que nunca tinha acontecido anteriormente. Todos o evitavam e preferiam não ter que falar com ele. Talvez fosse o seu aspecto, o golpe de faca na cara, de origem desconhecida, meio oculto pela barba, ou os seus olhos, tão profundos que ninguém conseguia vê-los perfeitamente. Talvez fosse isso que fizesse com que as pessoas o evitassem e fugissem dele quando se aproximava. Barrabás sabia-o muito bem, mas, que lhe importava a opinião dos outros? O que os outros pudessem pensar dele sempre lhe foi indiferente.
Nunca tivera a sensação de sofrer com o desprezo que lhe votavam.
Aqueles adeptos do rabi, porém, estavam estreitamente ligados entre si pelo laço comum, e todos se precatavam para impedir que penetrasse no seio da confraria alguém que nada tinha que ver com ela. Realizavam as suas reuniões e seus ágapes de confraternização, onde repartiam o pão e o vinho entre si, como numa grande família. Provávelmente, isso fazia parte da doutrina, do seu "amai-vos uns aos outros". O que não se podia saber era se também amavam alguém que não fosse como eles.
De forma alguma Barrabás quereria tomar parte num daqueles ágapes; só a ideia de ligar-se dessa maneira a outros o repugnava. Queria ser sempre livre e independente, nada mais.
Todavia, não deixava de pensar neles e de os procurar.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Que gente esquisita, aquela!

Não, ele já não era o mesmo depois de tudo aquilo que lhe acontecera, depois de ter estado muito próximo de ser crucificado. Era-lhe aparentemente difícil acostumar-se à ideia de não o ter sido, dizia ela consigo, o que lhe pareceu tão absurdo, que, ali mesmo, deitada com as mãos sobre o enorme ventre, à hora da pior canícula, riu-se às gargalhadas.
Barrabás não deixava de encontrar muitas vezes adeptos do rabi crucificado. Não se podia dizer que os procurasse de propósito, mas eles andavam por toda a parte, nas ruas e praças, e, quando por acaso os encontrava, detinha-se de boa vontade para uma conversa rápida e perguntava acerca do Mestre e da estranha doutrina da qual sabia tão pouco. Amai-vos uns aos outros... Evitava a praça do Templo e as ruas bonitas dos arredores, percorrendo sempre os becos da cidade baixa, onde os artesãos trabalhavam nas suas oficinas e os vendilhões apregoavam mercadorias. Havia muitos crentes entre entre essa gente simples, e Barrabás não os achava tão desagradáveis como os que encontrara na galeria. Conheceu grande parte das suas estranhas concepções, mas não era fácil penetrar na vida íntima deles e compreende-los plenamente, talves porque se exprimiam de uma forma tão ingénua. Acreditavam firmemente que o seu Mestre ressuscitou e não tardaria a vir, à frente das suas legiões celestes, e instalar o seu reino. Todos diziam a mesma coisa, isso deve ter-lhes sido ensinado. Mas nem todos estavam igulamente convencidos de que ele era o filho de Deus. Alguns achavam mesmo pouco provável que ele o pudesse ser, pois tinham-no visto e ouvido, inclusive tinham falado com ele. Um deles tinha-lhe costurado um par de sandálias, tirou-lhe as medidas e tudo o mais. Estes não conseguiam imaginar que ele fosse filho de Deus. Muitos, porém, afirmavam que ele o era e que iria sentar-se nas nuvens, no trono do céu, ao lado de seu pai. Mas antes seria preciso que este mundo imperfeito e cheio de pecados desaparecesse.
Que gente esquisita, aquela!

domingo, 4 de janeiro de 2009

Porque é que permanecia em Jerusalém...

Frequentemente, Barrabás perguntava a si mesmo porque permanecia em Jerusalém, onde nada tinha que fazer. Perambulava pela cidade, sem nenhum propósito, sem tomar qualquer resolução. Sabia muito bem que lá em cima, nas montanhas, os camaradas deveriam estar bastante admirados da sua demora. Porque tardava ir, porque se detinha ali? Nem mesmo ele sabia a resposta.
A mulher gorda acreditava a príncipio que era por sua causa, mas depressa verificou o engano. Ficou até um pouco magoada mas, meu Deus, os homens são sempre ingratos quando obtêm com facilidade tudo o que desejam. Em todo o caso, ela tinha-o a seu lado e era tão bom ter um rapagão daqueles, ter alguém a quem se gosta afagar! E com Barrabás ao menos havia uma certeza: não se importava com ela, mas também não andava atrás de nenhuma outra. Não se afeiçoava a ninguém. Nunca se apegara a quem quer que fosse. De um modo ou de outro, a sua indiferença magoava-a, pelo menos nos momentos em que se entregavam juntos ao amor. Às vezes ela sentia-se triste e choramingava baixinho quando estava só. Isso, porém, não era de todo desagradável; o pranto tinha o seu lado bom. Ela possuía grande experiência no amor, e não o desdenhava em qualquer das suas diferentes formas.
O que ela não podia compreender era porque é que Barrabás se demorava tanto em Jerusalém. O que faria durante todo o dia? Não era preguiçoso como esses vagabundos que se viam por toda a parte; habituara-se à vida movimentada e perigosa. Não era muito do seu feitio andar a vadiar pelas ruas, sem fazer nada.