quarta-feira, 10 de junho de 2009


Viu, numa das manchas de claridade, a mulher de lábio leporino com as mãos comprimidas contra o peito chato e o rosto pálido voltado para a luz que a envolvia. Não a via desde aquela manhã em que se tinham encontrado na frente do sepulcro; ela estava ainda mais magra e o seu mísero aspecto revelava que vivia faminta; estava vestida com andrajos e tinha as faces escaveiradas. Todos os que estavam ali reunidos olhavam para ela, conjecturando quem poderia ser aquela mulher que ninguém conhecia. Notava-se que a achavam esquisita, embora não soubessem porquê; não era só por estar maltrapilha, mas também porque todos esperavam, curiosos, pelo seu testemunho.
Porque iria ela testemunhar? De que serviria? pensava consigo Barrabás. Ela deveria compreender que ali não era o seu lugar. Embora aquilo nada fosse com ele, estava agitado. Porque se metia ela naquilo?
Tinha-se a impressão que também para ela não era lá nenhum prazer falar; fechava os olhos como se não quisesse ver as pessoas que a rodeavam e tivesse pressa em terminar. Então, porque o fazia? Certamente não tinha necessidade alguma de falar ali.
Começou a dar o seu testemunho. Com a vaz nasalada falou da fé no Senhor e Salvador, mas as suas palavras não poderiam comover ninguém, como deviam. Pelo contrário, ela era ainda mais ridícula e gaguejava mais do que de costume, naturalmente por se encontrar entre tanta gente, o que a punha nervosa. Ainda por cima, todos mostravam claramente seu desagrado, não procuravam ocultar que lhes era penoso ouvi-la; alguns viravam mesmo rosto, envergonhados. Ela terminou balbuciando qualquer coisa como: "Senhor, dei testemunho de ti, como me mandaste fazer." Depois baixou-se no chão da terra, na ânsia de ser vista o menos possível.
Todos se entreolharam, constrangidos; era como ela tivesse ridicularizado aquilo que os reunia ali. E talvez tivessem razão, talvez ela de facto o tivesse feito! Pareciam agora querer dar por finda a reunião o mais depressa possível. Um dos que a presidiam - era também um dos que tinham gritado: "Fora daqui, maldito!" - pôs-se de pé para anunciar que deviam separar-se. Acrescentou que todos sabiam o motivo de se realizar a reunião naquele lugar e não na cidade, que a próxima reunião seria noutra parte; onde, não se sabia ainda. O Senhor certamente lhes escolheria um refúgio onde estariam ao abrigo da maldade dos homens; ele era o pastor, não abandonaria o seu rebanho.
Barrabás não ouviu mais nada: saiu furtivamente, antes dos outros, e estava contente ao ver-se longe dali.
Só podia sentir aversão por tudo aquilo.

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