domingo, 22 de março de 2009

Lamentar-se por não ter morrido na vez do outro!


Barrabás tornou-se arredio, encerrou-se em si mesmo, não falava com pessoa alguma. Nunca mais saíu, passava dias e dias na casa da mulher gorda, deitado atrás da cortina de pano ou, quando havia algazarra demais na casa, refugiado na cabana de palmas em cima do telhado. Ali ficava durante dias inteiros, sem fazer nada nem tomar qualquer resolução. Ter-se-ia esquecido até de comer se não lhe tivessem posto comida na frente dele e insistido. Tornara-se completamente indiferente a tudo.
A mulher gorda ignorava o que havia com ele, não compreendia mais nada, nem se atrevia a perguntar. O melhor seria deixá-lo em paz; era provávelmente o que ele desejava. Mal respondia quando lhe dirigiam a palavra. Se se espreitasse cautelosamente por detrás da cortina, poder-se-ia vê-lo deitado, com os olhos postos no tecto. Ela não sabia mais que pensar. Estaria ele a ficar louco? Estaria a perder a razão? Ela não o sabia, para falar a verdade.
Acabou, porém, por descobrir o que havia. Soube por acaso das suas relações com esses doidos que acreditavam no homem crucificado em lugar de Barrabás. Então era isso! Estava desvendado o mistério! Esta era a razão porque andava tão arredio; não podia ser outra coisa. A culpa era daqueles malucos, que naturalmente lhe tinham metido na cabeça aquelas loucuras. Qualquer um acabaria mesmo com a cabeça virada na companhia de tais farsantes.
Eles estavam convencidos que o crucificado era uma espécie de salvador ou coisa parecida, que de um modo ou de outro os devia ajudar e dar-lhes tudo o que pediam. Ainda por cima acreditavam que ele seria o rei de Jerusalém e ia escorraçar os diabos imberbes. Ela não sabia ao certo qual a doutrina que pregavam, nem queria saber, mas o que ninguém duvidava era que não regulavam bem, não andavam muito certos da cabeça. Como, em nome do Senhor Deus, podia Barrabás meter-se com aquela gente? Como podia dar-se bem com eles? Mas sim! Ele mesmo era para ser crucificado e só escapou porque o tal salvador o tinha sido em seu lugar, o que naturalmente era horrível. Provávelmente, teve que lhes explicar que a culpa não era sua, e assim por diante. Teriam então discutido o caso, a conversa derrapou no tal sujeito em que acreditavam; que era um homem extraordinário, que era o que havia de mais puro e inocente, e mais isto e mais aquilo. Era uma personagem importante e foi um crime horrendo tratar assim tão grande rei e senhor! Tinham-lhe metido todas essas fantasias na cabeça, até ele virar doido e lamentar não ter sido crucificado, até ele se arrepender de não ter morrido em vez do outro!

Sem comentários: