sábado, 18 de abril de 2009

Dar testemunho do redentor ressuscitado...


Barrabás andou algumas vezes pela cidade enquanto morava na casa da mulher gorda. Duramte um desses passeios, aconteceu-lhe o seguinte:

Entrou numa casa que era uma espécie de adega, tecto baixo, com algumas trapeiras pelas quais penetrava alguma claridade, e saturada do cheiro acre de peles de animais e de ácidos. Devia ser um curtume, embora não estivesse localizado na Rua dos Curtidores, mas ao pé da montanha do Templo, na direcção do vale de Cédron. Era, provávelmente, um dos curtumes onde se preparava a pele dos animais sacrificados no Templo. Não devia ser muito usado; os reservatórios e tanques conservavam ainda o mau cheiro. O chão, por toda a parte onde se pisava, estava coberto de cascas de carvalho, detritos e sujidade de toda a espécie.
Barrabás entrou furtivamente sem ser visto e encolheu-se a um canto, perto da entrada. Ali ficou, de cócoras, correndo os olhos por todo o recinto repleto de gente que orava. Não conseguia ver todos, só destinguia aqueles que estavam na claridade proveniente das trapeiras. Mas também na penumbra deveriam estar a orar, pois de todos os lados partia o mesmo murmúrio. De vez em quando, o clamor de muitas vozes, vindo de uma determinada direcção, elevava-se, tornando-se cada vez mais alto, para depois ir diminuindo e acabar por se confundir com o burburinho geral. Ás vezes, todos os que se encontravam no recinto punham-se a orar em voz mais alta, com ardor crescente; e alguém entre a multidão erguia-se para, em êxtase, dar o seu testemunho do Redentor ressuscitado. Os outros então emudeciam e voltavam-se todos para aquele que falava, como se quisessem receber a sua força. Quando o orador terminava, começavam de novo a orar com redobrado ânimo. Na maioria das vezes, Barrabás não conseguia ver o rosto daquele que se levantava para testemunhar, mas quando um, bem perto dele, se ergueu, observou que esse mesmo estava completamente molhado de suor. Ficou a olhar para o homem, que se encontrava em estado de exaltação, e notou o suor a escorrer-lhe nas faces magras. Era um homem de meia idade. Depois de ter dado o seu testemunho, prostou-se no chão, de terra batida, tocando-o com a fronte, como toda a gente faz quando reza. Parecia ter-se lembrado de repente que também existia um Deus, não apenas aquele homem crucificado no qual falou durante o tempo todo.
Quando o homem terminou, veio de longe uma voz que Barrabás julgou reconhecer...

domingo, 12 de abril de 2009

Assim matutava a mulher gorda...


Ela gostaria de saber se o próprio Barrabás estava a par do que lhe aconteceu, se sabia que tinha dentro de si o espírito do outro, que morreu, mas que o espírito do crucificado vivia agora dentro dele. Ele sabia?
Talvez nem sequer suspeitasse. Mas era fácil constactar que ele sofria de uma má influência. O que, afinal, não era de admirar, pois tratava-se de um espírito estranho, que só lhe queria fazer mal.
Sentiu pena dele, sinceramente; afligia-a vê-lo assim, a tal ponto que o seu estado lhe inspirava compaixão. Ele, por sua vez, nem parecia notá-la, não sentia nem ao menos o desejo de vê-la. Não lhe tinha a mínima afeição, e não era, pois, de admirar que nem olhasse para ela. O pior era que nem à noite manifestava vontade de possuí-la, o que provava ainda mais a sua completa indiferença. Ela é que era bastante imbecil para continuar ao lado daquele sujeito infame e deplorável. Passava as noites a chorar em silêncio, mas aquele pranto oculto não lhe trazia consôlo algum. Coisa estranha... ela nunca teria acreditado que tal coisa lhe pudesse vir a acontecer.
Como poderia ela fazê-lo voltar? Como expulsar dele o crucificado e fazer com que Barrabás voltasse a ser Barrabás? Não tinha a menor idéia de como se esconjuram espíritos. Não entendia absolutamente nada a esse respeito, e podia imaginar que se tratava de um espírito forte e perigoso; quase o temia, embora ela não fosse de natureza tímida. Pelos modos de Barrabás, via-se quanto o espírito era poderoso, como se apoderava de um indivíduo robusto e forte que pouco tempo antes só vivia a própria vida. Era inconcebível. Dava mesmo para ficar com medo. Certamente o espírito dispunha de uma força especial, por ter pertencido a um crucificado.
Medo própriamente ela não tinha. Mas não queria saber nada acerca de crucificados. Isso de condenados à morte não era com ela. Era dona de um corpo avantajado, bem crescido. Quem lhe convinha era Barrabás, mas Barrabás tal como era quando ainda era ele mesmo. Antes de lhe dar na veneta que era ele que devia ter morrido na cruz. O que ela aprovava, o que mais apreciava nele era justamente o facto de não ter sido crucificado, era o ter-se safado tão bem!
Assim matutava a mulher gorda na sua grande solidão. Mas acabava sempre por dizer a si mesma que, afinal, nada sabia a respeito de Barrabás. Não sabia o que se passava com ele, nem se estava ou não possuído pelo espírito do crucificado. O que era certo agora é que não se importava mais com ela, e que ela era suficientemente estúpida para lhe querer bem. Ao pensar nisso, chorava e sentia-se terrívelmente desgraçada.

sábado, 4 de abril de 2009

E, sem dúvida, era isso mesmo, foi assim que as coisas se passaram, sem tirar nem pôr.
Imaginem, alguém lamentar-se por não ter sido crucificado! Só podia ser estúpido! Não conseguiu evitar o riso, de rir às gargalhadas do seu bom Barrabás. Ele parecia completamente desorientado. Mas isso explicava naturalmente tudo.
Agora, porém, bastava; a brincadeira já estava a passar da conta, era preciso colocar um ponto final àquilo. O homem precisava de apanhar juízo. Ela ia falar com ele. Que estupidez era aquela?
Entretanto, ela nada lhe disse. Ficou tudo nas boas intenções. Fosse lá como fosse, não se podia falar com Barrabás acerca dos seus próprios assuntos. Pensava-se em fazê-lo, mas ficava tudo por ali mesmo.
Continuou tudo com antes. ela sempre admirada das suas esquisitices, sem saber no que aquilo ia dar. Estaria ele doente? Realmente doente? Emagreceu muito e, no seu rosto pálido e escaveirado, o que apresentava um pouco de cor era únicamente a cicatriz, lembrança do golpe de faca que o tal Eliahu lhe aplicou. O seu aspecto era horrível, bem diferente do costume. Não era mais o mesmo, mudou em práticamente tudo. Arrastar a vida assim, vazia e oca, ficar por aí deitado, com os olhos no tecto! Um homem como Barrabás!
E... se não fosse ele? Se estivesse transformado em outra pessoa, num outro, como se estivesse possuído por alguém, pelo espírito do outro... Um espírito tinha entrado nele! Não era mais o mesmo que conhecia antes! Era exactamente esta a impressão que se tinha. O espírito do outro... Do que tinha sido realmente crucificado! Aquele, certamente, nada queria de bem... Ora, se o tal "salvador", ao entregar o espírito, o insuflara em Barrabás, para não morrer e para se vingar da injustiça de que fora vítima, vingar-se do homem que foi posto em liberdade... Era fácil de imaginar, era até muito possível. Pensando melhor no caso, podia dizer-se que Barrabás tinha estado assim estranho desde então; lembrava-se agora perfeitamente da sua insólita conduta ao chegar a sua casa logo depois de ser libertado. Era isso mesmo, isso explicava tudo. Um pouco difícil de compreender era como é que o rabi lhe insuflou o seu espírito, pois ele exalara o último suspiro no Golgotá, local onde Barrabás não podia ter estado. Mas diziam que o rabi era poderoso; certamente que podia transportar-se, invisível, para onde quisesse. Certamente que tinha poder suficiente para dispôr as coisas à vontade.

domingo, 22 de março de 2009

Lamentar-se por não ter morrido na vez do outro!


Barrabás tornou-se arredio, encerrou-se em si mesmo, não falava com pessoa alguma. Nunca mais saíu, passava dias e dias na casa da mulher gorda, deitado atrás da cortina de pano ou, quando havia algazarra demais na casa, refugiado na cabana de palmas em cima do telhado. Ali ficava durante dias inteiros, sem fazer nada nem tomar qualquer resolução. Ter-se-ia esquecido até de comer se não lhe tivessem posto comida na frente dele e insistido. Tornara-se completamente indiferente a tudo.
A mulher gorda ignorava o que havia com ele, não compreendia mais nada, nem se atrevia a perguntar. O melhor seria deixá-lo em paz; era provávelmente o que ele desejava. Mal respondia quando lhe dirigiam a palavra. Se se espreitasse cautelosamente por detrás da cortina, poder-se-ia vê-lo deitado, com os olhos postos no tecto. Ela não sabia mais que pensar. Estaria ele a ficar louco? Estaria a perder a razão? Ela não o sabia, para falar a verdade.
Acabou, porém, por descobrir o que havia. Soube por acaso das suas relações com esses doidos que acreditavam no homem crucificado em lugar de Barrabás. Então era isso! Estava desvendado o mistério! Esta era a razão porque andava tão arredio; não podia ser outra coisa. A culpa era daqueles malucos, que naturalmente lhe tinham metido na cabeça aquelas loucuras. Qualquer um acabaria mesmo com a cabeça virada na companhia de tais farsantes.
Eles estavam convencidos que o crucificado era uma espécie de salvador ou coisa parecida, que de um modo ou de outro os devia ajudar e dar-lhes tudo o que pediam. Ainda por cima acreditavam que ele seria o rei de Jerusalém e ia escorraçar os diabos imberbes. Ela não sabia ao certo qual a doutrina que pregavam, nem queria saber, mas o que ninguém duvidava era que não regulavam bem, não andavam muito certos da cabeça. Como, em nome do Senhor Deus, podia Barrabás meter-se com aquela gente? Como podia dar-se bem com eles? Mas sim! Ele mesmo era para ser crucificado e só escapou porque o tal salvador o tinha sido em seu lugar, o que naturalmente era horrível. Provávelmente, teve que lhes explicar que a culpa não era sua, e assim por diante. Teriam então discutido o caso, a conversa derrapou no tal sujeito em que acreditavam; que era um homem extraordinário, que era o que havia de mais puro e inocente, e mais isto e mais aquilo. Era uma personagem importante e foi um crime horrendo tratar assim tão grande rei e senhor! Tinham-lhe metido todas essas fantasias na cabeça, até ele virar doido e lamentar não ter sido crucificado, até ele se arrepender de não ter morrido em vez do outro!

domingo, 15 de março de 2009

Barrabás, o libertado! Barrabás, o libertado!


No dia seguinte evitou a cidade baixa e o Beco dos Oleiros, mas um homem da olaria encontrou-o por acaso sob as arcadas de Salomão e perguntou-lhe o que tinha achado da noite anterior, se havia reconhecido a verdade daquilo que lhe tinham anunciado. Respondeu que não duvidava de que o homem em cuja casa estivera era um morto ressuscitado, mas, na sua opinião, trazê-lo de volta à vida tinha sido um erro do Mestre. O oleiro, estupefacto, empalideceu ao ouvir as palavras ofensivas ao seu Senhor. Barrabás, porém, voltou-se simplesmente e deixou-o partir.
A história não devia ser conhecida sómente no Beco dos Oleiros mas também no dos Azeiteiros, no dos Curtidores e no dos Tecelões e em muitos outros; quando Barrabás, ao fim de certo tempo, voltou a esses lugares, notou que os crentes com os quais tinha o hábito de conversar já não se comportavam como antes. Falavam pouco, olhando-o de esguelha, com ares desconfiados. Nunca existiu intimidade entre Barrabás e os crentes, mas agora estes mostravam-lhe abertamente a sua hostilidade. Um velhinho enrugado, que ele nem sequer conhecia, abordou-o, perguntando porque é que, afinal de contas, vinha sempre ter com eles, qual era a sua intenção, se é que vinha enviado pelos guardas do templo ou pelos asseclas do sumo sacerdote, ou talvez pelos Saduceus... Sem responder, Barrabás encarou o velho, cuja cabeça calva estava vermelha de cólera. Nunca o vira antes, nem sabia quem era; devia ser tintureiro de profissão, pois à guisa de brincos tinha fios de lã azuis e vermelhos nas orelhas.
Barrabás compreendeu que os tinha magoado e que a disposição para com ele mudou por completo. Por toda a parte encontrava caras fechadas e rancorosas, rijas de expressões de repúdio, e alguns fixavam-no com insistência, para lhe mostrar claramente que o queriam desmascarar, saber quem ele na verdade era. Ele porém, tantava fingir que nada percebia.
Um belo dia a notícia estourou. Espalhou-se como rastilho de pólvora por todos os lados onde moravam os crentes. De um momento para o outro, todos sabiam. Era ELE! O que tinha sido libertado em lugar do Mestre! Do salvador, do Filho de Deus! Era Barrabás! Era Barrabás, o libertado.
Olhares hostis o perseguiam, o ódio brilhava nos olhos furiosos. A agitação não serenou, nem mesmo quando ele desapareceu para nunca mais reaparecer.

Barrabás, o libertado! Barrabás, o libertado!

domingo, 8 de março de 2009


Começou a escurecer no interior da casa e o homem ergueu-se e acendeu o lampião de óleo suspenso do tecto baixo. Depois trouxe pão e sal, que pôs sobre a mesa, entre ambos; partiu o pão e estendeu um pedaço a Barrabás, embebeu o seu no sal e convidou o visitante a fazer o mesmo. Barrabás teve d aquiescer, embora sentisse que a sua mão tremia. Comeram em silêncio, sob a luz mortiça do almpião a óleo.
Não repugnava a Barrabás partilhar um ágape com este homem, menos escrupuloso e exigente que os irmãos do Beeco dos Oleiros, e que não fazia uma grande diferença entre uma coisa e a outra. Mas quando aquela mão com dedos secos e amarelos lhe estendeu o pedaço de pão, e ele teve de o comer, julgou sentir na boca um gosto a cadáver.
Que significado poderia ter o facto de comer na companhia daquele homem? Que mistério encerrava este estranho repasto?
Quando terminaram, o homem acompanhou-o até à porta, desejando-lhe que partisse em paz. Barrabás murmurou qualquer coisa vaga, afastando-se apressadamente na escuridão da noite. Desceu a montanha e dirigiu-se a passos largos para a cidade, a cabeça cheia de tumultuosos pensamentos.
A mulher gorda surpreendeu-se vivamente ante a violência com que ele a possuía nessa noite; nunca o viu antes com tanto ardor. Não conseguia descortinar o motivo da desusada paixão, mas parecia que ele tinha necessidade de se agarrar a qualquer coisa. E se alguém lhe pudesse dar aquilo pelo que ansiava, era ela. Deitada a seu lado, sonhava que ainda era nova e tinha alguém que a amava perdidamente...

domingo, 1 de março de 2009

O reino da morte


[Imagem retirada da internet - galeriaphotomaton.blogspot.com/]
O homem permaneceu calado durante algum tempo, depois perguntou-lhe se acreditava que o rabi era filho de Deus. Após alguma hesitação, Barrabás respondeu que não acreditava, pois era muito dificil mentir perante aqueles olhos vazios que pareciam não se importar absolutamente se alguém mentia ou não. O homem não se alarmou, fez apenas um sinal com a cabeça e disse:- Eu sei. Muitos não acreditam. A sua mãe, que esteve aqui ontem, também não acredita. Mas ele a mim ressuscitou-me dos mortos para que eu desse testemunho dele.
Barrabás disse que, nesse caso, percebia-se que ele acreditasse no mestre, ao qual devia estar eternamente grato pelo grande milagre realizado. O outro respondeu que sim, que lhe agradecia todos os dias o ter-lhe restituído a vida, afastando-o do reino da morte.
- O reino da morte! - exclamou Barrabás, notando que a própria voz tremia. - O reino da morte? Como é esse reino? Tu, que estiveste lá, diz-me, como é ele?
- Como é? - repetiu o outro, com olhar interrogativo.
Era evidente que não compreendia muito bem o que Barrabás queria dizer.
- Sim! Que lugar é esse pelo qual andaste?
- Não estive em parte alguma - respondeu o homem, que não parecia gostar do arrebatamento do seu visitante. - Apenas estive morto... E a morte é o nada.
- Nada?
- Nada. Que queres tu que ela seja?
Barrabás fitou-o.
- Achas que devia contar-te algo a respeito do reino da morte? Pois não posso. O reino da morte é o nada. Ele existe... Mas é o nada.
Barrabás continuava a fitar aquele rosto em ruínas, que lhe infundia pavor, mas do qual não podia tirar os olhos.
- Não... - continuou o homem, os olhos vazios fitando o espaço ao longe. - O reino da morte é o nada. E, para quem esteve lá, tudo o mais também o é. É estranho fazeres-me semelhante pergunta - continuou. - Porque a fazes? Habitualmente não me perguntam tais coisas.
Contou então que os irmãos de Jerusalém frequentemente lhe enviavam gente para ser convertida e que muitos o tinham sido. Deste modo servia o mestre e compensava em parte a sua grande dívida de gratidão, pela vida que lhe foi restituída. Quase todos os dias, o jovem oleiro ou outro confrade lhe trazia alguém, diante do qual atestava a sua ressureição. Mas não falava do reino da morte. Era a primeira vez que alguém o indagava a esse respeito.

domingo, 22 de fevereiro de 2009


O homem que procuravam morava numa pequena aldeia nos flancos da montanha. Quando o jovem oleiro, que o tinha acompanhado, afastou da entrada da casa a esteira de palha que a fechava, viu-o sentado, com os braços sobre a mesa e os olhos fitando o horizonte longínquo. Não pareceu notar a presença dos dois, até que o jovem o saudou com a sua voz sonora. Então voltou lentamente a cabeça na sua direcção e respondeu ao cumprimento numa voz estranha, sem ressonância. Quando o jovem lhe transmitiu a saudação dos irmãos do Beco dos Oleiros e lhe disse ao que vinham, ele convidou-os, com um gesto de mão, a tomar um lugar à mesa.

Barrabás sentou-se na sua frente e não pôde deixar de observar aquele rosto amarelo, duro e ósseo. A pele estava completamente ressecada. Barrabás nunca supusera que um rosto humano pudesse assumir um tal aspecto, nunca viu algo tão desolador. Lembrava um deserto.

A uma pergunta do jovem, o homem explicou que, de facto, tinha estado morto, mas que o rabi da Galiléia, seu Mestre, o restituíu à vida. Esteve 4 dias no túmulo, mas as forças do seu corpo e da sua alma eram as mesmas de antes, nada havia mudado. Tinha o Mestre, assim, revelado o seu poder e a sua glória, tinha mostrado que era o filho de Deus. O homem falava devagar, num tom monótono, olhando sempre para Barrabás, com os seus olhos pálidos e sem brilho.

Quando terminou, a conversa ainda prosseguiu durante algum tempo à volta do Mestre e das suas grandes obras. Barrabás não tomou parte no colóquio. Pouco depois, o jovem oleiro ergueu-se e deixou-os, para ir visitar os seus pais que moravam na mesma aldeia.

Barrabás não tinha vontade nenhuma de ficar a sós com o homem. Mas não podia ir-se embora assim, sem mais nem menos, e não atinou com um pretexto qualquer para o fazer. O outro fixava-o sempre com o seu estranho olhar apagado, que nada exprimia, sem demonstrar o mínimo interesse pelo visitante, mas que, assim mesmo, o atraía de maneira inexplicável. O seu único anseio era evadir-se dali, libertar-se daquela estranha atracção e fugir. Mas não o conseguia.