sábado, 15 de novembro de 2008


Recordou-se, depois, da casa entre os dois cedros... De pé, na soleira da porta, a mãe seguia-a com os olhos, enquanto ela descia a encosta, carregando o peso da maldição... Sim, era natural que os seus pais a escorraçassem de casa e que ela deveria viver, dali em diante, como os animais nas suas tocas...Lembrou-se dos campos, muito verdes na primavera, e da mãe que ficara, vendo-a partir, meio oculta na sombria abertura da porta para não ser vista por aquela que amaldiçoava...
Mas agora tudo aquilo já não tinha mais significado.
O cego ergueu-se e pôs o ouvido à escuta. Acordara e ouvia as sinetas do leproso.
- Fora daqui! - gritou ele, ameaçando-o na escuridão, com o punho fechado. - Some-te! Que vens aqui fazer?
O som das sinetas foi desaparecendo aos poucos, na noite, e o velho tornou a deitar-se, resmugando, a mão sobre os olhos vazios.
As crianças mortas também estariam no reino das sombras? Era provável que sim, a não ser, naturalmente, as que morriam no seio materno. Afinal, não se podia torturá-las; fazê-las sofrer não era possível.
Tremeu como se sentisse frio. Como ela ansiava pelo nascer do dia. Ainda tardaria muito a madrugada? Parecia-lhe ser muito tempo aquele em que esteve deitada e a noite não tinha fim. Mas, as estrelas, lá no alto, já não eram as mesmas, e a lua, em foice, desde há muito que tinha desaparecido atrás da montanha. Já se verificara a terceira rendição da sentinela, pois ela tinha visto, pela terceira vez, a luz dos archotes sobre o muro da cidade. A noite certamente findaria. A última noite...
A estrela da alva surgiu sobre o monte das oliveiras. Ela reconheceu-a logo: era uma estrela grande e brilhante, muito maior que todas as outras. Nunca a vira tão luminosa. Cruzou as mãos sobre o peito cavo e continuou por algum tempo deitada, fitando o astro com os olhos ardentes.
Depois, levantou-se precipidamente e partiu, desaparecendo na escuridão.

1 comentário:

Anónimo disse...

Agora fico à espera para ver onde ela vai.
mairiam