domingo, 22 de fevereiro de 2009


O homem que procuravam morava numa pequena aldeia nos flancos da montanha. Quando o jovem oleiro, que o tinha acompanhado, afastou da entrada da casa a esteira de palha que a fechava, viu-o sentado, com os braços sobre a mesa e os olhos fitando o horizonte longínquo. Não pareceu notar a presença dos dois, até que o jovem o saudou com a sua voz sonora. Então voltou lentamente a cabeça na sua direcção e respondeu ao cumprimento numa voz estranha, sem ressonância. Quando o jovem lhe transmitiu a saudação dos irmãos do Beco dos Oleiros e lhe disse ao que vinham, ele convidou-os, com um gesto de mão, a tomar um lugar à mesa.

Barrabás sentou-se na sua frente e não pôde deixar de observar aquele rosto amarelo, duro e ósseo. A pele estava completamente ressecada. Barrabás nunca supusera que um rosto humano pudesse assumir um tal aspecto, nunca viu algo tão desolador. Lembrava um deserto.

A uma pergunta do jovem, o homem explicou que, de facto, tinha estado morto, mas que o rabi da Galiléia, seu Mestre, o restituíu à vida. Esteve 4 dias no túmulo, mas as forças do seu corpo e da sua alma eram as mesmas de antes, nada havia mudado. Tinha o Mestre, assim, revelado o seu poder e a sua glória, tinha mostrado que era o filho de Deus. O homem falava devagar, num tom monótono, olhando sempre para Barrabás, com os seus olhos pálidos e sem brilho.

Quando terminou, a conversa ainda prosseguiu durante algum tempo à volta do Mestre e das suas grandes obras. Barrabás não tomou parte no colóquio. Pouco depois, o jovem oleiro ergueu-se e deixou-os, para ir visitar os seus pais que moravam na mesma aldeia.

Barrabás não tinha vontade nenhuma de ficar a sós com o homem. Mas não podia ir-se embora assim, sem mais nem menos, e não atinou com um pretexto qualquer para o fazer. O outro fixava-o sempre com o seu estranho olhar apagado, que nada exprimia, sem demonstrar o mínimo interesse pelo visitante, mas que, assim mesmo, o atraía de maneira inexplicável. O seu único anseio era evadir-se dali, libertar-se daquela estranha atracção e fugir. Mas não o conseguia.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009


Assim pensava Barrabás ao afastar-se dos discípulos, após ter tentado tornar-se um deles. E deixou a passos largos a olaria do beco dos Oleiros, onde tão claramente lhe haviam demonstrado que não queriam tê-lo no seu meio.
Tomou a resolução de nunca mais os procurar.
Mas quando, no dia seguinte, passou por lá outra vez, perguntaram-lhe quais eram as dúvidas que tinha na fé que eles professavam, mostrando-se arrependidos por o não terem acolhido carinhosamente e por não se terem esforçado por instruir e esclarecer um homem tão ávido de conhecimentos. O que desejava ele perguntar? O que é que lhe parecia incompreensível?
Inicialmente, Barrabás queria dar de ombros e responder que não compreendia absolutamente nada e que tudo aquilo lhe era indiferente. Mas, pensando melhor, mencionou como exemplo a ideia da ressureição, que lhe era difícil conceber. Não acreditava que um morto pudesse retornar à vida.
Os oleiros ergueram os olhos e encararam-no; depois entreolharam, de modo significativo. Após terem trocado entre si algumas palavras em voz baixa, o mais idoso perguntou-lhe se queria ver um homem que o Mestre tinha ressuscitado. Teria de ser à noite, após fecharem as suas oficinas, pois o homem morava um pouco longe de Jerusalém.
Barrabás assustou-se. Por aquela não esperava. Imaginara que iriam debater a questão, expôr os seus pontos de vista, e não entrar em campo com uma prova tão esmagadora e convincente. É verdade que estava persuadido de que tudo aquilo não passava de fantasia, de piedosa fraude; o homem sem dúvida não tinha estado morto. Mas mesmo assim sentiu que o invadia um certo temor. De modo algum queria encontrar o tal homem. Mas não podia confessá-lo. Era preciso simular gratidão pela oportunidade que lhe ofereciam os discípulos de certificar-se do poder do seu Senhor e Mestre.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Como podia alguém querer sofrer?


Afirmavam os díscipulos que o Mestre morrera por eles. Podia ser. Mas na realidade foi por ele, Barrabás - ninguém o podia contestar! Estava na verdade mais próximo, mais ligado àquele homem do que eles, do que qualquer outra pessoa; o seu grau de relação com o crucificado era bem outro, mais íntimo e directo. E eles repeliam-no, não queriam nada com ele! Ele era o escolhido, podia-se dizer, escolhido para não sofrer, para escapar aos tormentos da cruz! Ele era o verdadeiro eleito, libertado na vez do filho de Deus, por este o ter desejado e ordenado! E os outros nem sequer suspeitavam disso!
Mas aquela "fraternidade", os seus "ágapes" e o seu "amai-vos uns aos outros" eram-lhe indiferentes. Ele não queria nada com eles, queria apenas ser ele mesmo. Na relação com aquele a quem chamavam o filho de Deus, com o crucificado, ele era sempre o mesmo, era Barrabás como em tudo. Não era escravo subordinado ao Mestre, como eles! Não era dos que suspiravam e imploravam a seus pés.
Como podia alguém querer sofrer? Não sendo necessário, sem ser obrigado pela força... isto era incompreensível, uma ideia assim só nos pode inspirar desgosto. Pensando desta forma, Barrabás revia na sua mente o corpo magro e deplorável do crucificado, os braços que cediam, mal suportando o peso do corpo, e a boca tão ressequida que nem sequer conseguia pedir água. Não, ele não podia simpatizar com alguém que daquela maneira procurava o sofrimento, alguém que se pregava a si mesmo na cruz. Não apreciava absolutamente tal gesto nem a pessoa que o praticara. Mas aquela gente toda adorava o crucificado e os sofrimentos dele, a sua morte vil e lamentável; dir-se-ia que, para eles, quanto mais degradante, mais miserável, melhor. Adoravam a própria morte. Era horrível, repulsivo, enchia-o de desgosto. Sentiu mesmo aversão por eles, pela sua doutrina e por aquele a quem afirmavam crer.
Não gostava, absolutamente, da morte. Abominava-a, não tinha o menor desejo de morrer. Talvez por isso não morrera, por isso foi o escolhido para ser posto em liberdade. Se o crucificado fosse realmente o filho de Deus, seria omnisciente, e já o saberia muito antes que Barrabás não queria sofrer nem morrer. Por isso o crucificado tomou o lugar dele. Barrabás teve apenas de segui-lo até ao Golgotá, para ver como é que eles o crucificavam. Nada mais foi exigido dele, e isso pareceu-lhe muito cruel, a tal ponto se lhe mostrara desagradável a morte e tudo quanto se relaciona com ela.
Sim, ele era verdadeiramente o homem pelo qual o filho de Deus tinha morrido! Foi para ele, e a mais ninguém, que se destinaram as palavras: "Libertai esse e crucificai-o a Ele!".