quinta-feira, 11 de dezembro de 2008


Ele sentiu-se comovido ao ouvir estas palavras. Contra a sua vontade sentiu alguma coisa, mas não conseguia definir o que era. Ficou parado algum tempo, indeciso, sem saber o que dizer nem o que fazer. Depois aproximou-se do sepulcro, como tencionara, e certificou-se que estava vazio. Mas isso, afinal, já sabia de antemão, e, além do mais, era-lhe indiferente. Que lhe importava que estivesse vazio ou não? Voltou em seguida para junto da mulher, que estava no mesmo lugar. O seu rosto estava tão transfigurado e irradiava tal bem-aventurança, que ele experimentou um sentimento de sincera pena. Na realidade, o que a tornava assim feliz não era verdade, não existia. Poderia ter-lhe explicado o que havia exactamente naquela ressureição, mas... não a tinha magoado já o suficiente? Não conseguiu decidir-se a dizer-lhe a verdade. Perguntou-lhe cautelosamente como ela achava que as coisas se tinham passado, de que maneira o morto havia ressuscitado.
Ela encarou-o espantada. Então ele não sabia? Em seguida, radiante, pôs-se a contar detalhadamente, com a sua voz anasalada, como um anjo se precipitara dos céus, o braço estendido que nem ponta de lança e o manto ondulando tal qual enorme chama. A ponta da lança e o manto ondulado penetrara entre a laje e a rocha, separando-as. Parecia a coisa mais simples do mundo, e de facto era-o, embora fosse um milagre. Eis o que se passara. Ele não tinha visto?
Barrabás baixou os olhos e repondeu que não. No íntimo, estava muito satisfeito por nada ter visto. Era prova de que os seus olhos agora estavam normais como os de toda a gente, que ele já não sofria mais alucinações, vendo apenas aquilo que realmente existia. Aquele homem não exercia mais poder sobre ele. Não vira a ressureição nem nada. A mulher, no entanto, continuava ali, com os olhos brilhantes, rememorando o que presenciara. Finalmente ela pôs-se de pé para se ir embora e andaram juntos um pedaço do caminho, em direcção à cidade. Não trocaram muitas palavras, mas ele soube que, desde o último encontro, ela começara a acreditar naquele a quem chamavam o Filho de Deus, e a quem ele, por sua vez, chamava o morto. Quando, porém, lhe perguntou o que ensinava ele afinal, ela não quis responder; virou o rosto, evitando que os seus olhos se encontrassem com os dele. Chegaram a um ponto em que o caminho se dividia; a mulher ia tomar a direcção do vale do Guében-Hinnom, ao passo que ele pretendia continuar directamente até à porta de David. Antes de se separarem, tornou de novo a perguntar-lhe qual era a doutrina que aquele homem pregava, na qual ela acreditava, embora aquilo não fosse da sua conta. Ela deteve-se, olhou para o chão, e depois atirou um olhar esquivo a Barrabás. Disse gaguejando:
- "Amai-vos uns aos outros".
Em seguida cada um foi para o seu lado.
Mas Barrabás parou e seguiu-a com os olhos, durante longo tempo.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Barrabás saiu do seu esconderijo e foi examinar mais detalhadamente a sepultura. Ao passar pelo vulto cinzento, ajoelhado no meio do caminho, viu, surpreendido, que era a mulher de lábio leporino. Parou para observá-la. O rosto pálido e escaveirado da mulher estava direccionado para a sepultura vazia e o seu olhar extasiado não via outra coisa. Tinha a boca entreaberta e mal respirava; a ferida que lhe deformava o lábio superior estava branca. Ela nem deu conta da presença de Barrabás.
Ao vê-la assim, a sensação quase de impudor apoderou-se dele, causando-lhe uma estranha sensação. Recordou-se então de algo que não queria lembrar. Lembrou-se de outra ocasião em que viu o rosto daquela mulher assim, como hoje. Então também sentiu vergonha... Deu de ombros e afastou de si essa imagem do passado.
Finalmente ela viu-o. Também se admirou muito de o encontrar por ali. Não era de estranhar, pois ele mesmo estava admirado de se encontrar naquele lugar. O que tinha ele a ver com tudo aquilo?
Barrabás teria preferido simular que vinha simplesmente andando pelo caminho e que só por acaso passava por ali, sem saber que lugar era aquele nem que havia qualquer supultura por ali. Saberia ele fingir? Talvez não o conseguisse, talvez ela não acreditasse. Em todo o caso foi ao seu encontro e perguntou:
- O que fazes aí de joelhos?
A mulher não ergueu os olhos nem tão pouco se moveu. Continuou com antes, os olhos postos no sepulcro aberto na rocha. Numa voz quase inaudível, murmurou:
- O filho de Deus ressuscitou...