Barrabás andou algumas vezes pela cidade enquanto morava na casa da mulher gorda. Duramte um desses passeios, aconteceu-lhe o seguinte:
Entrou numa casa que era uma espécie de adega, tecto baixo, com algumas trapeiras pelas quais penetrava alguma claridade, e saturada do cheiro acre de peles de animais e de ácidos. Devia ser um curtume, embora não estivesse localizado na Rua dos Curtidores, mas ao pé da montanha do Templo, na direcção do vale de Cédron. Era, provávelmente, um dos curtumes onde se preparava a pele dos animais sacrificados no Templo. Não devia ser muito usado; os reservatórios e tanques conservavam ainda o mau cheiro. O chão, por toda a parte onde se pisava, estava coberto de cascas de carvalho, detritos e sujidade de toda a espécie.
Barrabás entrou furtivamente sem ser visto e encolheu-se a um canto, perto da entrada. Ali ficou, de cócoras, correndo os olhos por todo o recinto repleto de gente que orava. Não conseguia ver todos, só destinguia aqueles que estavam na claridade proveniente das trapeiras. Mas também na penumbra deveriam estar a orar, pois de todos os lados partia o mesmo murmúrio. De vez em quando, o clamor de muitas vozes, vindo de uma determinada direcção, elevava-se, tornando-se cada vez mais alto, para depois ir diminuindo e acabar por se confundir com o burburinho geral. Ás vezes, todos os que se encontravam no recinto punham-se a orar em voz mais alta, com ardor crescente; e alguém entre a multidão erguia-se para, em êxtase, dar o seu testemunho do Redentor ressuscitado. Os outros então emudeciam e voltavam-se todos para aquele que falava, como se quisessem receber a sua força. Quando o orador terminava, começavam de novo a orar com redobrado ânimo. Na maioria das vezes, Barrabás não conseguia ver o rosto daquele que se levantava para testemunhar, mas quando um, bem perto dele, se ergueu, observou que esse mesmo estava completamente molhado de suor. Ficou a olhar para o homem, que se encontrava em estado de exaltação, e notou o suor a escorrer-lhe nas faces magras. Era um homem de meia idade. Depois de ter dado o seu testemunho, prostou-se no chão, de terra batida, tocando-o com a fronte, como toda a gente faz quando reza. Parecia ter-se lembrado de repente que também existia um Deus, não apenas aquele homem crucificado no qual falou durante o tempo todo.
Quando o homem terminou, veio de longe uma voz que Barrabás julgou reconhecer...